segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Museu

Olha, desculpa pelo que fiz. Não, não desculpa. Me deixa sofrer, diz que a culpa é toda minha e me prende e vai embora. Sim, vai-te embora porque eu não quero te ver nunca mais porque eu fui culpado e não quero que você me desculpe. Não, não quero. Quero pagar pelos meus erros assim como pago as contas de água, de luz e de telefone. Quero deixar as contas vencerem e pagar os juros e ser um perdedor e quero que tu me culpes. E que me dê um tapa na cara e diga que eu fui um idiota.

Porque no fim eu sou idiota mesmo; e sou idiota desde o começo. Minto. Eu não sei onde isso começou, não sei há quanto tempo venho sendo esse idiota que tu conhece ou que conheceu e que não sabe mais quem sou, pois tu não me vê mais.

Tu não me vê porque eu me escondo nas esquinas que tu cruza e fico observando você olhar para os dois lados antes de atravessar a faixa pra não ser atropelada e eu fico admirado com o jeito que você desvia dos carros e imagino como eu desviaria meus olhos dos teus, caso tuas jabuticabas me encontrassem parado na esquina. Aí eu pergunto se tu irias continuar atravessando a rua ou se pararia e seria atropelada por um gol vermelho ou um corsa azul e como eu me sentiria culpado sabendo que a culpa de tudo que aconteceu foi minha porque eu te vi naquele segundo andar quando eu subi as escadas marrons do museu para ver quadros que nunca entendi e que tentei te explicar pra mostrar que eu era um cara legal.

Desculpa guria, mas seria melhor se não tivéssemos cruzados olhares, braços e línguas e continuássemos a cruzar as esquinas olhando para outros olhos e para outros lados para evitar toda essa desgraça de estar preso dentro de ti e de não saber o que os quadros significam.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Eu não sei mais escrever, desculpa.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Diálogo.

-Cadê você?
-Te procurando.
-Eu não me perdi.
-Eu te perdi.
-Você me perdeu? Tu nunca me ganhou!
-Isso não é um jogo!
-Você não me perdeu..
-Mas eu nunca te ganhei?
-Isso não é um jogo...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Vermelho

Foi naqueles segundo antes da escuridão da minha morte que vi todas as cores que eu conheço.

A primeira foi um céu azul - um céu lindo e azul. Um azul de tristeza que me lembra dias que não saía de casa porque chovia lá fora e era uma chuva intensa como se quisesse me deixar preso sem ter para onde correr. Uma chuva com nuvens cinza. Do cinza, lembrei dos prédios da cidade e do cheiro de poluição; o cinza dos dias monótonos em que odiava todas as pessoas que passavam por mim pelas calçadas e me sorriam sorrisos amarelos, com dentes feios e falsos. Daí o amarelo do sol ao verde da grama; ao marrom das árvores; ao vermelho das maçãs e do sangue que dá cor aos teus lábios. Lindos lábios vermelhos que explodiam as mais lindas palavras e deixavam todo o resto da praça colorida em tons de vermelho e rosa; lábios que diminuiam o som das outras pessoas falando, dos carros buzinando, de tamancos batendo contra o chão. E eu lia teus lábios, decifrava cada pedaço de carne, bebia cada gota imaginária de sangue num desejo de querer toca-lós e sentir o gosto do teu lábio. Querendo o gosto do teu sangue dentro da minha boca, também vermelha mas com dentes amarelos. Queria ter o teu lábio porque, de todas as cores, ele tinha a mais bela. Tinha a cor do vermelho de sangue derramado, do sangue vivo. Lembrei do teu sangue vivo e de como você está viva e como estou morrendo, com o meu sangue ainda vivo manchando o chão do banheiro. Olho pro sangue vivo esperando que ele escureça e que, de repente, eu encontre a escuridão do sono eterno. Do sonho sem fim. Olho o sangue vermelho e ao contrário da escuridão que espero, eu vejo uma luz branca que cega meus olhos. Ah! Como eu desejei que a morte fosse sombria e escura e fria, mas morrer é aconchegante, calmo. Traz uma paz. Uma paz parecida com o sangue dos teus lábios vermelhos. Um paz parecida com a bandeira branca que dá fim a guerra quando não há mais sangue a ser derramado. Uma paz igual ao meu coração que não tem mais força para pulsar o sangue que corre nas minhas veias vazias azuis.

domingo, 14 de novembro de 2010

Todo meu amor.

Daquelas coisas que perco tentando procurar. Nas memórias mais escondidas. Das coisas do meu passado que nego, mas que são visíveis até por quem não enxerga o que há aqui dentro. Essas memórias e esse passado e essas perdas explodem meus ossos, minhas veias, minha pele, minhas roupas e explodem todas as paredes que crio para tentar sufocar tais sinais vitais. Crio paredes; crio quartos e salas sem janelas, pra não deixar a luz entrar. Pra ser escuridão. Mas esqueço a porta; fica o buraco aberto. E é por ela que tu entras.

Entra assim, fria, sem dizer nada e sem fazer barulho algum. Em alguns momentos sinto falta da segurança que o teu calor proporcionava. Sinto falta até do som dos passos teus por aqui - agora você flutua. Não. Talvez eu tenha construído as paredes e esqueci-me do chão. Esqueci que preciso pisar em alguma coisa, ter algum lugar pra bater a cara na hora que cair. Porque a queda é grande e eu sempre me espatifo no chão. E acha que nunca mais vou levantar. Mas pra mim não há chão. Só o penhasco dentro de quatro paredes. Eu fico caindo uma eternidade, e você flutua dentro de mim.

Comparação: é como se todo meu sangue estivesse correndo fora das minhas veias, mas não há nenhum corte no meu corpo que o liberte, que o deixe fluir para fora das minhas paredes celulares e que deixe a vida escapar de dentro de mim. Assim é a dor que sinto - ou que finjo sentir. Não há feridas para cicatrizar, não há sangue para ser estancado. Não há band-aid que consiga entrar no peito.

Há uma saída além da porta. Há toda a dor além do corte. Há um gatilho esperando o dedo. Há uma bala, doce como um beijo. Há o tiro e a morte de todo meu amor.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Assalto

Silêncio - daqueles em que a gente sabe que algo vai acontecer. Que a gente sabe que quando vier o barulho vai ser mais alto que qualquer explosão, que qualquer tiro. E o silêncio nunca mais vai ser o mesmo. O barulho do peito rasgando, aberto. O barulho da ferida que não vai cicatrizar. Silêncio.

Fui assaltado, assim mesmo, simples. Estava caminhando tranquilamente, talvez com alguma moeda na mão, talvez até assobiando, talvez seguindo com o olhar o cara que passava do outro lado da rua e, de repente: o baque, o choque, o tiro. Uma mão!

Bem simples, idiota. Eu caminhando e de repente aparece uma mão com uma arma na minha frente - pow! O tiro, reto no peito. Não, ainda não!

A mão, obviamente, era a tua. Mesmo que eu não soubesse quem tu era, sabia que era você. Senti certo medo e junto com o medo veio o meu silêncio gritando por socorro. Acho que não gritei, na verdade. Você me olhou e chacoalhou a arma com a mão na minha frente, como quem diz alguma coisa - "Quero tudo que você tem!" Meu desespero rapidamente enfiou minhas mãos nos bolsos, procurando qualquer coisa. Procurou pela carteira, vazia. Não tinha nada. O medo aumentou. O que eu tenho para te dar? - "Não tenho nada!"


Aí sim veio o tiro. E foi rápido. A mão armada na minha frente, apontando pra mim e, logo depois das minhas palavras, o barulho. Não sei se tentei me segurar pra não cair, se lhe dirigi algum chingamento que pudesse aliviar a dor no meu peito. Não lembro disso. Foi só isso: o barulho e a dor no peito.

domingo, 24 de outubro de 2010

Entra

Me fecho dentro de um quarto.
Me fecho dentro de mim mesmo.
Fecho portas e janelas.
Te fecho lá fora; te abro meu peito.
Entra.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Minhas Chaves

Costumava sair pra curtir e passear por ai, olhar coisas sem ter motivo. Saía, assim, despreocupada, olhando sem muito interesse para tudo, e se interessando muito por nada. Voltei pra casa e quando fui abrir a porta me encontrei sem chave. Perdi minha chave de novo. Fiquei do lado de fora do meu próprio lar. Então, você achou.

Achou a chave da minha porta e eu entrei. Deixei a porta aberta e fiquei na entrada. Você ficou ali do lado de fora, querendo entrar. Jogamos conversa fora e não entramos. Daí eu entrei e fechei a porta. Desculpa.

Você não foi embora, ficou ali falando através da porta e entrando pelo buraco da fechadura aos poucos – você não percebeu que eu não tinha trancado? Era só abrir. Mesmo assim, você continuava pingando da minha fechadura e invadindo a minha sala de estar, e quando percebi, você se encaixava perfeitamente com toda mobília e decoração. Como se aqui fosse o seu lugar.

Passou algum tempo e você lembrou que tinha a sua casa, e sem perceber, eu já estava lá. Você tinha me dado uma cópia das suas chaves. Eu estava lá e você estava aqui - estávamos em nossos lugares.

Não sei como nem quando exatamente, mas eu perdi a chave da sua casa e não consigo tirar do teu bolso pra entrar de novo. E a minha porta tava aberta, e você ia saindo. Mas ao contrário do modo que entrou, a tua saída era por fatias e não por pingos.

Então eu percebia você andando pelo lado de fora e visitando outras casas. Outras pessoas. Não sei se tinha a chave desses lugares ou se você era só uma visita. Não sei se ainda tem a chave da sua-minha casa ou se você só estava de passagem. Não sei se a porta ainda está aberta, mas a chave tá na fechadura.

#

Dedicado a Marcelly Dias por ter me ajudado com o texto.

domingo, 10 de outubro de 2010

Leve

Leve embora o que sobrou.
Leve todos esses meus pensamentos.
Abre essa porta e te tira daqui de dentro.
Leve embora tuas roupas, teus móveis, teus discos preferidos.
Leve embora tudo que é teu. Me deixa leve.
Me leva pra onde você for.

Leva essa música, traz um sorriso.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Fumaça

Do café; do cigarro.

Saindo pelo alto de uma chaminé, numa casa no fim da rua.
Ecoando no céu azul; transformado as nuvens em cinzas.
Escondendo o sol da cidade.
Brincando de esconde-esconde na sombra das crianças.
Na rua. Na calçada. Nos prédios.
Dentro da minha casa - sentada no canto da sala.
Queimando as fotos, apagando as lembranças.

Na xícara. Entre os dedos.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Uma máscara; Dois sorrisos

Acontece direto de olhar pra uma pessoa e ver o rosto de outra pessoa. O rosto, o cheiro e a voz. Aí vem a vontade de chamar o nome pra ver se é o mesmo. A boca começa abrir, as palavras começam a formar e, quando estão prontas para sair, percebo que era apenas uma ilusão. Já não é o mesmo rosto, o mesmo cheiro, nem a mesma voz. Mas o nome saiu da boca e a minha própria voz já não me pertence.

Tento me esconder, como se pudesse ficar invísivel; como se conseguisse fazer a minha voz ficar muda. Quando ergo meus olhos na direção percebo que era realmente a pessoa que chamei. Mas não é o mesmo rosto, nem o mesmo cheiro. E já não há voz. Há um silêncio. Dois.

Vejo teu rosto na minha frente, parece diferente mas sei que é o mesmo. Sempre foi o mesmo. Aí tu sorri. Um sorriso que eu desconheço, que eu nunca havia visto no teu rosto. Como o sorriso de outra pessoa. Desejo que, além do sorriso, teu rosto inteiro se transforme em outra pessoa e que tu volte a ser uma ilusão.

Continuamos ali - com olhares; com silêncio - esperando que o outro diga alguma coisa. Esperamos. Não há o que dizer. Começo a achar graça na situação. Minha cabeça vê inúmeras cenas daquelas que acontecem nos filmes. A graça começa achar meus dentes e eu não consigo impedir um sorriso. E te olho. Tua mão começa a subir em direção ao rosto e com rapidez arrancar o sorriso do rosto, segurando-o na mão. Meus olhos correm em direção à tua mão e ao teu sorriso. Uma máscara. Volto a olhar teu rosto, te reconheço.

Vejo o mesmo rosto que eu chamará minutos antes. Vejo um sorriso conhecido, sinto o cheiro e espero pelo som de alguma palavra. Ainda assim, não há palavras. Só há sorrisos. O meu e o teu - sem máscara alguma. O teu sorriso já me basta, mesmo no silêncio das nossas bocas abertas.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nossa Canção

Chegamos à um momento que não havia mais nada a fazer. Tudo estava pronto. Era só continuar e cuidar pra que continuasse assim, pra sempre. Mas não era o suficiente. Queríamos mais, eu queria mais. Ainda não sei o que tu queria.

A: O que você quer?

Eu queria mudar aquela coisa feita-embalada-vendida que compramos em um feira de segunda, e torná-la feita e embalada ao ritmo da nossa música. Com no máximo 4 notas e algumas variações de tempo. Acontece, que meus acordes não cabiam no alcance das notas agudas da tua voz.

Tua voz tirava minha concentração e eu me perdia nas menores notas e tornava o nosso som uma bagunça sonora. Tuas palavras sempre saiam com uma velocidade e força que as cordas do meu violão não conseguiam suportar e estouravam, cortando minha mão. Eu continuava tentando acompanhar teu ritmo com o sangue escorrendo dos meus dedos e com tamanha dor que só acalmava quando você começava cantar aquele refrão.

O refrão acaba e começa outro verso. Verso-Ponte-Refrão-Verso-Refrão. Eu teimava eu colocar mais uma ponte antes do refrão repetir, mas você sempre pulava do verso pro refrão afirmando ter medo de a ponte desabar. Pulamos a ponte e fomos para o refrão novamente.

A dor nos meus dedos acalmava a cada acorde, a cada batida que a palheta dava na corda, a cada palavra que a tua voz cantava. Acabou o refrão mais uma vez e tu esqueceu de escrever outro verso e eu esqueci de compor mais algumas variações de notas pra música continuar. Tua voz não saiu e eu parei de forçar minha mão arrancar sons das cordas que restavam. Ficamos em silêncio procurando por outras palavras pra tentar continuar, e quando encontramos algumas palavras perdidas já havíamos esquecidos o ritmo da música. A música parou, e a nossa canção não disse mais nada.

B: Eu quero tudo.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Brincadeira Infantil

Acho que eu cansei de te escrever,
e você parou de abrir minhas cartas.
Acho que tu cansou de me ouvir,
e eu parei de te ligar.
Acho que cansamos de nos encontrar,
por não conseguirmos nos achar.
Procurei não perder você,
mas tu parou de encontrar.
Acho que parei de me esconder,
mas agora parou de brincar.
Eu continuo no mesmo lugar - onde você não está.

Túneis

"Eu sei quem é você, eu conheço o que há dentro de você."
Não, tu não sabe.

Você esteve aqui dentro por algum tempo, caminhando por todas as minhas veias, dando leves passos e deixando pegadas por dentro dos meus pulsos, braços, pernas, cabeça... Andou tanto por aqui que acabou se perdendo - eu achei ótimo. Minha intenção era segurar você aqui pra sempre, andando por dentro das minhas veias; fazendo meu sangue circular.

Tu, aqui de dentro, começou gritar em desespero por passar pelos mesmos lugares tantas vezes e não saber onde estava indo, eram tantas veias e você pegava qualquer bifurcação e acabava se perdendo mais ainda. Em todo teu desespero, começou a correr, e não havia mais gritos a não ser o eco dos teus pés me pisoteando e a tua respiração ofegante.

Você andava por todo meu corpo e isso me deixava inquieto, sem saber se continuava com você por aqui ou se te mostrava a saída, mas você fez algo muito melhor. Passou por todos os lugares sem restrições, sem placas de "pare!" ou faixas de "não ultrapasse", até dar de cara com uma porta fechada. "Não entre". Aviso único. Você parou. Ficou ali observando a porta com uma cara de quem não-sabe-o-que-fazer. Mas tu fez justamente o contrário do que era dito e o mais correto a ser feito, abriu a porta e entrou.

Entrou de maneira tão suave que teus passos eram leves e a tua respiração já estava normal. Tu já não estavas mais perdida e, por fim, chegará ao único lugar que tu nunca havia estado. O lugar onde todo meu sangue deveria ter te levado há algum tempo se você tivesse deixado e não insistisse tanto em andar sozinha. O lugar que você achou tão sem graça por estar vazio e escuro, e acabou saindo e fechando a porta novamente. Tu mal sabes que faltava você estar realmente aqui dentro pra que as luzes acendessem e transformassem esse lugar na mais bela casa que você poderia ter.

Aí você começou a percorrer minhas veias novamente, e os passos que antes eram agradáveis, agora se tornaram passos graves que machucam por onde você passa. Já não é mais cômodo te deixar aqui dentro, mas você está tão perdida aqui que eu não consigo te encontrar pra te tirar desse meu sofrimento, não me conheço tão bem quanto você. Não conheço todos os lugares que você passou por dentro de mim, mas eu conheço o mais importante, e te conheço também, estranha.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

7 de Setembro

Eu de braços aberto. Tudo que eu lembro é isso. Eu e a merda dos meus braços abertos. E tudo que eu não quero lembrar é você. Você e a merda dos meus braços aberto. E a merda dos meus braços que continuavam abertos esperando por algo. Que merda pensei quando abri os braços? Ah! Quatro letras.

Daí meus braços baixam e aparece a tua boca aberta e algumas palavras tentando formar algum som. O som das bandas marchando foi mais alto e eu não escutei nada. Não precisava. Sabia toda e qualquer palavra que tu dizia, até com os olhos fechados. Sabia em qual sílaba a tua voz iria falhar e em qual ela voltaria a ter segurança. Eu sabia disso. E tudo que eu escutava era a merda dos tambores me deixando surdo.

Aí eu abri os olhos, depois que tu havia parado de falar. O som dos tambores continuava, as pessoas marchando em suas filas mal organizadas, crianças andando feito zumbis, e os cachorros vira-latas perdidos e com medo. Abri meus olhos e não vi nada disso. No momento, qualquer outra coisa que estava ali simplismente parecia ter desaparecido. Não havia ninguém ali. Só eu, meus olhos abertos, sem saber aonde olhar e meus braços perdidos tentando encontrar algo pra segurar. E você. Mas você já não estava ali.

Continuei parado tentando encontrar qualquer outro movimento ao meu redor para que me trouxesse de volta, qualquer coisa. Sentia como se algo estivesse vazando: o ar de um balão furado, pingos de uma torneira aberta, o sangue de um corte. Uma lembrança da memória. Qualquer coisa assim, que vai embora. Eu estava todo nesse sentimento. Tua presença foi embora, tua boca aberta, tuas palavras sem som algum, meus braços nem tentaram te puxar de volta.

De repente eu vi tudo ao mesmo tempo, as pessoas, os tambores e qualquer coisa que estivesse ali em algum momento. E escutei tudo também, todo som minúsculo. Toda essa merda. Todas as coisas ao meu redor, como se eu fosse o único a estar ali. Eu era único. E eu estava parado. Com todos os outros olhares vazios, com todas as outras palavras mudas, com todo o meu corpo sentindo frio. Com meu peito aberto, vazando. Sem você, indo embora.

sábado, 4 de setembro de 2010

Cigarros

Começa com aquele fogo e toda aquela fumaça e cheiro do papel queimando. A mão leve em direção à boca meio aberta. Os dentes amarelos, a respiração vazia. O pulmão cinza. O papel queimando. Fumaça. Teus olhos observam tudo isso enquanto a fumaça passa em frente a eles, deixando-os pouco irritados. Vão gravando cada detalhe como se tudo estivesse em câmera lenta. A fumaça se desfazendo no ar, o papel enrolando a química enrugando aos poucos, o suor da tua mão. Tu percebe os detalhes dos lugares ao redor de você, mas isso não se torna importante. O cigarro é a coisa mais importante no momento. O fogo.

A importância vai diminuindo e observar esses detalhes jogados na tua cara se tornam ações já executadas; o fogo vai apagando-queimando no papel, o pulmão mais cheio, a cigarro cada vez menor. A fumaça no ar e as outras coisas não importantes.

Dali um pouco a gente queima o dedo e joga fora. Tu não percebeu a velocidade com que o fumo diminui entre o teu indicador e o dedo de vai-tomar-no-cú - com acento - e, começou olhar uma guria do outro lado da praça, caminhando. Ela caminha e o teu cigarro continua a diminuir na tua mão, mas teu olho não observa isso. Então o calor entre os dedos transforma-se em uma leve ardência: tá queimando. Tu olha e ao perceber o fogo rasgando a pele tu joga o cigarro no chão e diz qualquer palavrão pra aliviar a sensação do inferno dentro da tua mão. Tu volta a cabeça em direção à guria, mas ela não está mais ali.

A boca fechada. Sem fumaça. Só o pulmão cinza. Um cigarro no chão. Uma boca vermelha. Dois dedos queimados. Uma guria que não está mais ali. Só isso. Você pega a caixa do bolso e acende outro cigarro. Quem sabe outra guria apareça. Quem sabe a guria de antes resolva voltar. Tu já se queimou do mesmo jeito.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Conta Vencida

Chega o carteiro. Todas correspondências dentro de uma sacola com várias outras cartas e contas que vão para outras pessoas em outras casas. Você vê ele retirar alguns papéis, conferir o que provavelmente é o número da casa, tirar o elástico que prende os envelopes separados dos outros e deposita-os na tua caixa de correio. Aí você espera ele se afastar.

O ronco da moto amarela é rapidamente direcionado ao outro lado da rua, onde ele faz a mesma seqüência de tarefas. Coloca as cartas ou contas da outra pessoa e passa para a casa ao lado, onde fará a mesma coisa mas tu não se interessa mais pela repetição das atitudes nem dos envelopes.

Teu interesse agora passa a ser a caixa de correio. Não a caixa de correio, mas o que dentro dela. E ali dentro tem algo teu. Você sai da janela, fecha a cortina e toma rumo em direção ao lado de fora da tua casa, passando por um corredor comprido que te entrega à sala. Tu para na sala e com certo medo, teme abrir a porta e ir lá fora receber tuas correspondências; teme abrir a caixa de correio; teme abrir as cartas. Teme qualquer abertura que traga aquilo que está lá fora esperando.

Tu recuperas tua coragem e abre a porta, o primeiro passo. Esquerdo. Em seguida o direito. Teus pés seguem o rumo como se estivessem acostumados com a tarefa de ir até a casinha cheia de papéis, tuas mãos abertas é que não estão acostumadas a abrir esses papéis. E dessa vez elas terão utilidade. Teus olhos também estão abertos, prontos para quando a sua vez chegar.

Você abre a tampa e os papéis estão ali, brancos feito leite. Você sente o calor deles. Você sente eles te queimando as mãos, os olhos, o peito - sim, o peito está aberto também. Você volta pra dentro de casa pela porta aberta. E você fecha a porta.

Você vai até a cozinha e joga os papéis em cima da mesa, fitando-os por algum tempo com aquele medo anterior. Aí você separa alguns e coloca-os de um lado - as contas. Você abre o único que não está te cobrando nada, e o preço que tu vai pagar por este é alto demais. Não há dinheiro suficiente. O dinheiro nem é suficiente.

O papel aberto tem tamanho valor que tu se recusa a pensar nas contas. O peito aberto como um cofre vazio tem tantas teias que tu nem sabe se houve algo valioso ali dentro. Você pensa aonde você gastou tanto sentimento, e porque tanto prejuízo. Talvez tenha sido a falta de investimento. Ou tu apenas tenhas tentado encher o outro cofre - aquele que não era teu. Mas tu tens que pagar por essa conta. E o preço que se paga, às vezes, é alto demais. Talvez um perdão quite a dívida. Se não for uma conta vencida, claro.

Dá uma olhada na data, te apressa. Cuidado com os juros.

Parte Cinco - O Assobiador

Os Jogadores
(um dado de sete lados)

[...]
Sete.
Você joga o dado e o vê chegando, e percebe com clareza que não se trata de um dado comum. Diz que foi azar, mas sabia o tempo todo que ele teria que vir. Você o intrduzio na sala. A mesa farejou-o em seu hálito. O judeu projetava-se de seu bolso desde o começo. Sujou sua lapela e, no momento de jogar, você sabe que é um sete - a única coisa que, de algum modo, encontra um jeito de feri-lo. O dado cai. Fita você nos dois olhos, miraculoso e repugnante, e você desvia o olhar enquanto ele lhe devora o peito.
Um Simples azar.
É o que você diz.
Sem a menor importância.
É nisso que você se faz acreditar - porque, no fundo, sabe que essa pequena mudança de sorte é um sinal das coisas que estão por vir. Você esconde um judeu. Você paga. De um modo ou de outro, tem que pagar.
#
Markus Zusak, 2006 - A Menina Que Roubava Livros

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pré-Setembro.

B: Tá acabando..
C: O quê?
B: O gás...
C: O mês também...
B: E o café...
C: Vai começar setembro.
B: Droga!
C: O que a gente faz?
B: Encomenda um novo butijão de gás...
C: E aí?
B: ... compramos café também.
C: E o que a gente faz?
B: Esperamos o fim do desfile.
C: E de setembro também?
B: Sim, e do gás e do café.
C: E depois?
B: A gente começa outubro.
C: E aí?
B: Compramos máscaras e sorrimos.

sábado, 28 de agosto de 2010

Pra Quem?

Pra você eu mudei, pros outros eu ainda 'tô na mesma cidade.
Pros outros eu ainda sou o mesmo, pra você eu não sou ninguém.
Pra mim eu não sei quem sou, pra você eu queria ser alguém.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Álbum de Fotos

A Sala.
Cheguei em casa e encontrei um álbum de fotografias aberto em cima da mesinha de centro, a casa vazia com a janela da sala de estar levemente aberta e a TV ligada, estranhei. Só eu tenho a chave da minha casa; ninguém nunca entra ali dentro sem convite. Fechei a porta.

Me aproximei da janela e o vento entrou com uma força brusca e senti quão frio estava lá fora e achei estranho não sentir isso enquanto estava lá. Peguei o controle remoto e tentei desligar a TV, mas me dei conta que as pilhas haviam acabado e fiz tal ação manualmente. Me direcionei ao centro da sala de estar, sentei no canto do sofá e olhei algumas fotos que estavam em um álbum aberto e algumas que haviam caído no chão. Não ajuntei, apenas fiquei observando. Entre as fotos vi uma que eu bati há uns três anos atrás. Fechei os olhos.

A Cena.
Eu parado no meio da calçada quadriculada como um tabuleiro de xadrez em cores amarela e preta, você dizendo repetidamente com uma voz suave que lembrava a inocência de uma criança, ou algo parecido. "Hey, olha aqui e registra esse momento". Olhei na tua direção e direcionei a minha máquina para você. Você estava fora da calçada, metida com os pés na areia - tão amarela quanto a calçada que eu pisava - e segurando o all-star na mão esquerda. Atrás de você, alguns metros amarelo distanciavam tuas pernas do azul do mar e das ondas fortes que iam e vinham. Pouco mais atrás, o pôr-do-sol encostava na água fazendo uma das cenas mais belas do mundo. Registrei.

A Foto.
Direcionei minha máquina na tua direção e observei todos os detalhes. Teu cabelo, teu tênis, os grãos de areia, as bolhas na hora que a onda quebrou na praia, pequenos raios de sol saindo daquela bola gigante. Observei tudo. Ajeitei meu foco dentro do meu olho pra conseguir as cores tão mais lindas, pra ter uma foto de um momento de felicidade. Talvez o maior deles. Talvez A Própria. Quando eu apertei o botão a minha máquina fotográfica só capturou teu sorriso, a parte mais importante: a tua felicidade. Todos os outros detalhes daquele momento estão tão presentes na minha memória que basta fechar os olhos e vê-los gravados nas minhas pálpebras. Abri os olhos. Vi você. Parada ao lado da porta com uma chave na mão. Fechei os olhos e ali estava você também. Em todo lugar.

Parte Três - 5

Tive uma noite de sono muito horrorshow, irmãos, sem nenhum sonho, e a manhã estava muito clara e tipo assim gelada, e havia o von agradável de café da manhã fritando lá embaixo. Levei um tempo para me lembrar onde estava, como sempre acontece, mas logo caí em mim e aí eu me senti tipo assim aquecido e protegido.
Pág. 158

[...].

O que eu videei foi a palavra MORTE na capa de um tipo assim panfleto, muito embora fosse apenas MORTE AO GOVERNO. E como se fosse o Destino, havia outro livreto malenk que tinha uma janela aberta na capa, e dizia: "Abra a janela e deixe o ar fresco entrar, idéias frescas, um novo modo de viver." Então percebi que era como se estivesse me dizendo para terminar com tudo pulando dali. Um momento de dor, talvez, e depois dormir pra sempre, sempre, sempre.

[...] A janela do quarto onde eu havia me deitado estava aberta. [...]. Então subi no alpendre, a música estourando à minha esquerda, fechei os glazis e senti o vento no litso, então pulei.
Pág. 168
Anthony Burgess, 1962 - Laranja Mecânica

Parte Dois - 5

O que foi ainda mais engraçado foi quando fui dormir naquela noite, Ó, meus irmãos. Tive um pesadelo, e, como seria de se esperar, foi um daqueles trechos de filme que eu havia videado à tarde. Um sonho ou pesadelo é realmente apenas como um filme dentro da sua gúliver, só que é como se você pudesse entrar dentro dele e fazer parte dele. E foi isso o que aconteceu comigo. Foi um pesadelo de um dos trechos do filme que me mostraram no final daquela tipo assim sessão da tarde, [...]. Então eu abri meu caminho de volta até acordar através do meu próprio króvi, litros e litros dele, e aí eu vi que estava na minha cama neste quarto.
#
Anthony Burgess, 1962 - Laranja Mecânica

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Vencedor

Já consigo ver a linha de chegada.
E não sei em que lugar eu 'to.
Não sou o primeiro.
Já não quero mais ser um vencedor.
Um cara disso isso uma vez.
Levo a vida devagar.
O mesmo cara disso isso na mesma vez.
E também disse que era pra não faltar amor.
O foda é que tá me sobrando saudade.
#

Baseado em "O Vencedor" - Los Hermanos

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Terceiras Pessoas do Singular

"Ele não sabia o que dizer, ela não sabia se queria escutar.
E isso foi tudo por muito tempo.
Acontece, que o tempo acaba, não?
Mas é aquela coisa, quantos tempos existem?
Dois?! Isso não é um jogo, lembre-se disso.
Três?"


Ele estava agitado e isso era claramente perceptível ao modo que suas mãos se mexiam, nos movimentos, na rapidez da moeda deslizando entre os dedos. Estava com os nervos-a-flor-da-pele - e, oh!, era uma pele tão linda. Poucos garotos naquela idade mantinham uma aparência infantil sem parecer inocente demais. Ele não era inocente, na verdade, em muitas coisas era culpado. Culpado por ser tudo aquilo que ele não era e que ele não queria ser. Mas ele era aquilo. E tinha aquilo de querer ser algo mais, querer provar que não é. Provar pra ninguém. Provar pra si mesmo. Provar que existe. Provar o gosto de ser alguém. Alguém pra alguém. Pra ela?

Ela estava calma. Mãos levemente colocadas em cima das coxas de menina pura que sabe mais-do-que-você-pensa. Sabe bastante, entende? Não que toda essa sabedoria estivesse fazendo alguma diferença no momento, mas ela sabia que em algum momento poderia ser útil. Mas a útilidade não tem importância nas horas que o tempo passa devagar e que o vento é tão lento quanto os ponteiros de um relogio digital. Ela não sabia ver as horas. A hora de falar; a hora de ouvir; a hora de ir embora. Ela não sabia o que falar, não sabia o que queria ouvir, não sabia se deveria ficar. Aguém tinha que dizer isso pra ela - "tu não sabe o que quer" - , mas ele não sabia o que falar.

Mas o que realmente tem importância nessas horas? O que é realmente importante? Por que aquilo que a gente acha que é importante, às vezes, não é nada de mais? Ela era importante pra ele, e ele não era nada de mais. As coisas realmente importantes, na verdade, não passavam de algo muito mais comum do que a gente pensa. Muito mais simples. Muito menos complicado. Ele sabia disso, ela não. Ele não sabe mais, ela não quer saber.

Ela: Quer saber?

Ele: Tu não sabe.

Ela: Eu sei disso.

Ele: Eu não sabia.

¨¨
* Desculpa a repetição de palavras e personagens e histórias e sentimentos, mas tudo é sempre tão igual e eu já não me acho tão diferente agora.

Talvez Você

Me falaram que isso ia passar.
Eu só quero que tu passe por aqui;
que tudo não passe de ilusão.
Porque eu cansei de passar na tua rua.
Não sei mais qual é a tua casa.

domingo, 22 de agosto de 2010

Eu Soube Antes Que Você

Ah, eu queria dizer que essa vida tá muito engraçada.
E que eu 'tô rindo e sorrindo também.

Queria dizer que tu não sabe o que quer,
mas tu já sabe disso.

Queria te mostrar as coisas que eu sei,
mas não sei se tu quer saber.
Quer saber? Eu não sei mais.

Caindo

Comecei a reparar que tenho uma certa mania de caminhar olhando pro chão. Não por estar procurando alguma coisa na calçada, tentando achar uma maleta cheia de dinheiro em uma rua vazia e acabar milionário chutando pedras no chão. Eu ando olhando pro chão por ter medo de olhar pra minha frente e acabar me distraindo com alguma coisa que faça meus olhos perderem o foco do meu caminho, deixando meus pés dar passos em falso e causando uma queda bruta no meio da calçada ou rua em que passo.

O meu medo de cair consiste, basicamente, em acabar machucando as minhas mãos. É idiota, eu sei. Essa fixação com as minhas mãos vem por eu não saber quando vou precisar cumprimentar alguém, dar um tchau praquela pessoa que passa do outro lado da rua ou, quem sabe, dar um soco num cara que tentou roubou minha carteira.

Se eu estiver com minha mão machucada não cumprimentarei a pessoa que me estende a mão por achar que ela pode acabar me ferrindo no aperto; não acenarei um tchau até o outro do outro lado da rua por ter vergonha de mostrar que minha mão tem sangue porque eu tropecei em algum descuido meu e acabei me ferrindo; não darei um soco na cara do outro sujeito porque doerá mais em mim do que nele.

Prefiro machucar meu rosto do que minha mão. Aquela coisa de "dar-a-cara-a-tapa".

Quero manter minhas mãos decentes caso eu venha a cair, porque se eu cair sei que alguém irá me ajudar a levantar e, antes de qualquer coisa, me estenderá a mão para me ajudar. A mão!

Mas não é que eu queira ter a mão limpa, saudável, macia, cheirosa quando alguém me ajudar a levantar; eu quero ter a mão limpa pra quando ver alguma pessoa cair, poder estender a minha mão e ajudá-la. Quero estar com as mãos limpas pra que alguém venha e me segure pela mão quando eu volto pra casa no fim do dia. Pra andar de mãos dadas sem me preocupar em cair, sabendo que tem alguém ao meu lado pra me ajudar a levantar. E quando levantar, poder olhar nos olhos do outro e perder o meu foco sentindo a brisa batendo no meu rosto enquanto eu caio e dou risadas do meu descuido, da minha infantilidade. Do meu cair. Porque eu ando caindo muito ultimamente.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Isso II

A: Tá errado isso aí.
B: Então concerta...

A: Não dá.
B: Não dá?

A: Não sei...
B: Quer saber?
A: O quê?
B: Deixa assim...

A: Assim como?
B: Assim como a gente deixou..
A: Por quê?

B: Porque é o mais certo a ser feito agora.

A: Mas tá errado isso aí.
B: Então concerta...
A: Começamos a mesma conversa de novo...
B: Nem acabamos.

Capítulo XIII - O Terror

As pessoas caminhavam em silêncio. [...]. Foi como se tivessem aberto uma válvula, e toda a dor, o medo e a raiva daqueles dias saíssem dos peitos e rodassem pela rua, e subissem num terrível clamor até as nuvens negras do céu.
#
Isabel Allende, 1982 - A Casa dos Espíritos

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Óculos

"Antigamente eu perguntava o que te fazia sorrir.
Tua resposta abria um sorriso no meu peito.
Hoje, pergunto se tu tá feliz.
E você sorri. E só sorri.
Eu espero que teu sorriso não tenha nada escondido".

Eu não sei o que eu escondo aqui dentro do meu peito, acho que escondi tão bem que não sei certo onde tá. Lembro que brilhava. E de tão brilhante que era, me cegava os olhos me impedindo de ver as coisas mais óbvias que jogavam na minha cara. Daí eu escondi todo o brilho dentro do meu peito. Achei que era bom deixar um tempo ali, guardado, até me acostumar com os óculos que eu comecei a usar. Esses óculos mostram coisas que antes eu não via, e confesso que apesar de tanto tempo com eles, ainda me surpreendo quando vejo algo novo. Ah, são tantas novidades!

Porém, esses óculos não são suficientes quando tento achar aquilo que brilhava e que escondi. Daí eu procuro com uma lanterna na mão porque o lugar ficou escuro pra caralho; e procuro com um lenço no bolso, porque o lugar é tão úmido que as minhas lentes ficam embaçadas rápido demais.

Em alguns momentos é necessário soltar a lanterna da mão e pegar o lenço para limpar as minhas lentes. Eu coloco a luz que carrego comigo no chão e retiro meus óculos com cuidado tão grande para não derrubá-los - sinto medo até do vento que corre na minha espinha. Nesse momento, sem meus óculos, vejo um certo brilho lá no fundo da escuridão e tento caminhar até lá, mas parece ter tantas coisas me empedindo de chegar: mesas, cadeiras, sofás, camas, e outros móveis que provavelmente eu coloquei ali.

A cada canto de cada móvel que bato, sinto dores em várias partes do meu corpo. Sinto tamanhas dores que depois de bater e me ferir tanto por não enxergar nada, sinto-me na obrigação de caminhar novamente munido da laterna e dos meus óculos, mas então eu não vejo outra luz a não ser aquela que a minha lanterna projeta, e consigo ver os móveis e lembro o motivo de cada um estar ali. Eu tava construindo uma casa. Uma casa que não era minha. Uma casa que era pra ser o teu lar.

Aí eu penso se não era você que deveria estar aqui procurando no meu lugar. Porque isso que eu escondi aqui era teu.

Sento em uma cadeira que está próxima de mim, retiro meus óculos e desligo a lanterna e fico ali no escuro, observando aquele brilho cada vez mais forte. Eu me escondo pra mostrar o melhor que há dentro de mim. Queria saber se tu ainda consegue enxergar além-do-que-se-vê.

B: Guria, tira esses óculos, teu olho fica bem mais bonito.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Passado

Não passou.
Ainda não.
Vai passar.
Não quero.
Quero que fique.
Se passar pode acabar voltando.
E se voltar significa que eu esperei.
E eu não quero esperar.
Cansei de esperar.
Sei lá.
Mas eu espero.
Diga-se esperança, sabe?
Eu ainda tenho.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Olhos de Raio-x

Nunca me olhei como um cara normal, sempre pensei que havia algo errado em mim. Aqui dentro, sabe? Tirava a camiseta antes de tomar banho e ficava me olhando em frente o espelho e não via meu diferencial. "Porra, mas é normal, não?" Não. Mas não encontrava o diferente apenas olhando no espelho. Ia além da camiseta, além da minha pele clara, além dos ossos, muito além. Além, até chegar em algum lugar que eu não conseguia ver. Ali dentro.

Achei tão frustrante não saber o que havia dentro de mim mesmo que comecei a procurar o que havia dentro das outras pessoas. Em várias delas eu me aprofundava em conhecê-las e ao tirar-lhes a blusa eu já me esquecia da finalidade da minha busca. Confesso, deixei de lado essa coisa de encontrar aquilo que há dentro. Mas algumas vezes eu escutava ecoar do peito de outras pessoas uma voz que gritava alguma coisa que eu não consegui entender. Não me importava exatamente o grito, mas importava quem gritava ali de dentro, então, eu tentava criar uma visão raio-x para conseguir ver qual seria a coisa que tinha tal voz em grito. Porque nada gritava dentro de mim, era um silêncio de uma escuridão azul.

Comecei a me sentir mais frustado ao descobrir que algumas pessoas tinham vozes que gritavam e eu não tinha nada. Vazio. Porque se eu não conseguia me ver nem me ouvir creio que estava realmente vazio. Sentindo me vazio por dentro, sentindo o vazio ao meu redor quando sentia que as pessoas estavam cheias. Cheias de alguma coisa que eu não via nem ouvia dentro de mim.

Em alguns momentos caí em tristeza. E ia caindo, cada vez mais fundo, pensando que encontraria algo. Caindo. Caindo. Caindo. Caí tanto que quando me dei já não via mais a claridade do sol. Era escuro, vazio, triste, seco, frio. Qualquer coisa assim, mas estava longe de encontrar algo. Sozinho, então, resolvi sair.

Saí com meu corpo de arrasto como se fosse o corpo de outra pessoa. Uma pessoa que eu não conhecia mais. Um ninguém que era tão intimo meu. Caminhava pelas calçadas, ruas, bairros, cidades e entre as pessoas. Escutava vozes gritando alto, falando baixo, passando por mim. E então, escutei uma voz me mandando parar - "Para!" - Parei. E foi só isso, mas foi pra mim. Um carro passou bem na minha frente em alta velocidade, mais rápido que o grito. Aí entendi, era outra pessoa gritando para mim do lado de fora.

Uma guria de cabelos escuros, ou claros; pele morena ou um pouco mais clara que isso; olhos verdes - sempre gostei de verde; mãos inquietas e voz suave. Lenta, calma. Fazendo o tempo parar. Me chamando, me mandando parar. Fiquei parado olhando ela e ela parada me olhando. E ficamos. Parados. Daí ela foi embora. E todo o meu lado de fora ficou em silêncio.

Fiquei feliz e de maneira rápida, mais rápida que o grito e que o carro, a felicidade passou. Voltei pra casa frustado. Parei novamente em frente ao espelho, tirei a camiseta e olhei novamente para o meu corpo branco. Olhei e quis entrar ali dentro e arrancar qualquer som que pudesse estar escondido; qualquer ruído, só pra saber que tinha algo.

Olhei para os meus olhos com cara de desânimo. Convencendo-me que não existe nada aqui dentro além de ossos, veias, tripas, comida apodrecendo e todas essas coisas que fazem parte de um cara normal. Mas eu, eu nunca fui normal. Olhei para os meus olhos como se fossem dois burracos negros, sugando tudo que havia ao meu redor. Olhei fixamente para os meus olhos e vi algo neles. Um certo brilho. Uma coisa que se movia lentamente. E meus olhos gritaram.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Capítulo V - Os Amantes

[...] Acreditava que, ao nomer os problemas, eles se materializavam e já não era possível ignorá-los; por outro lado, se ficam no limbo das palavras não ditas, podem desaparecer sozinhos, com o decorrer do tempo.
#
Isabel Allende, 1982 - A Casa dos Espíritos

domingo, 15 de agosto de 2010

Toca-discos

Sei lá.
Cansei dessa repetição de horas, dias, semanas, meses, anos, vida. Sinto como se eu tivesse comprado um disco novo que só vai até a faixa 3 e começa de novo. Quero passar pra faixa 4, mas sempre volta pro começo. E no encarte tem lindos nomes de músicas que eu tenho medo de nunca ouvir, de ficar repetindo três faixas pra sempre. E essas três canções já não me dizem mais nada.
Só repetem o que eu já sei.

sábado, 14 de agosto de 2010

Eu sei

B: Eu ainda 'tô aqui.
A: Eu não.

B: Cadê você?

A: Não sei.
B: Quem é você?

A: Me diga.

B: O quê?

A: O que você quer.
B: Eu quero você.

A: Você nem sabe quem eu sou.
B: Não me importa.
A: Você não sabe em que lugar eu estou.
B: Mas sei onde deveria estar.
A: Onde?
B: Aqui.

Isso

"Tentei dizer qualquer coisa.
Tu tentou me ouvir.

Tentamos quebrar o silêncio.

Quebramos muito mais que isso.

Eu disse alguma coisa.

Tu nem me ouviu".

B: Quer concertar isso?
A: O quê?
B: Isso!
A: E tem como?
B: Não sei. Podemos tentar...
A: Cansei de tentar.
B: Então vamos fazer dar certo?
A: E se a gente fracassar?
B: Já fracassamos.
A: Então deixa assim.
B: Tu já deixou.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Talvez II

"Até algum dia".
"Até algum momento".
"Até logo".

Até quando?
Talvez quando o meu mundo ter um sentido direito.

Talvez quando eu parar de andar pela esquerda.
Talvez quando teu mundo for o mesmo que o meu.
Talvez quando o som dos teus passos ecoar do meu lado.
Talvez eu precise muito menos que isso.
Até mais.

Cotidiano

Uma semana inteira. Sete dias. Iguais. Nomes diferentes. Vinte-e-quatro horas. Repetição. Tempo repetido fazendo a mesma coisa todo dia. Manhã; tarde; noite. Repetindo todas as mesmas coisas pra chegar no fim-do-dia e ver que o fim foi o mesmo que o fim-do-dia anterior. No fim tudo é igual - com nomes diferentes. E significados, talvez.

Meus dias estão seguindo uma rotina de acordar, tomar café, sair, voltar pra casa, tomar café - comer alguma coisa, digo almoço - , sair, voltar pra casa, tomar café e esperar o efeito do café passar pra conseguir dormir mal. Todo dia.

E daí o dia começa de novo. Acordando mal por ter dormindo mal porque o efeito do café demorou pra passar. Acordando mal e preparando café pra conseguir realmente acordar - às vezes os sonhos são tão bons que tenho vontade de dormir pra sempre. Acordando e começando um novo dia do mesmo modo que a noite anterior acabou. Ou a madrugada. Depende do relógio - e do café.

Dependência, talvez seja essa a palavra. Dependo realmente do relógio e do café.

Do relógio e suas horas confusas que passam rápido e não me deixam fazer nada. Fazendo com que eu fique preso em uma rotina de começar e acabar todo dia da mesma forma que o dia anterior acabou e começou e que o dia seguinte começará e acabará. Tudo começa e acaba todo dia, é o que o relógio na parede diria se falasse. Mas as paredes só me ouvem. Só.

O café é o que me deixa fazer as poucas coisas que eu faço. E faço mal feito porque quando começo a fazer o relógio me diz que o dia tá acabando. É nesse momento que eu tomo mais café pra atrasar os ponteiros do relógio e ter mais tempo para fazer mais alguma coisa.

Durmo mal por esses dois motivos. O relógio diz que meu tempo acabou e o café tenta adiar um pouco mais o fim-do-dia. Uma disputa para jogar o fim lá pra frente. Como se pudesse me esconder do que só eu vejo; a minha cara cansada e embriagada no espelho do banheiro na hora que escovo os dentes.

Se eu comentar sobre o espelho vou ter que usar as mesma palavras que usei até agora. O espelho não me mostra nada de novo. Só mostra coisas repetidas. Como os meus dias.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Entre

Entre o meu rádio e a tua estação;
Entre os canais mudos da televisão;
Entre o atender e o cair de uma ligação;
Entre meus ouvidos que ouvem o sim e tua boca que diz não;
Entre as ruas e as calçadas;
Entre e, por favor, feche a porta quando sair.