quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Tráfego

Te procurei, é verdade. Te procurei em vários lugares. Não achei. Não achei. Não desisti. Você sim. Você desistiu, é o que costumo dizer pra seguir em frente. E eu costumava ouvir você dizer "Tu desistiu dos teus sonhos, dos teus planos, da tua vida! Tu desistiu de mim!" E não era verdade. Não desisti de você, desisti de mim. Sim, desisti de mim. Há dias me arrastava porta a fora me perdendo entre ruas, esquinas, prédios, pessoas, sorrisos, apertos de mão, abraços e bom dia, boa tarde, boa noite; dorme bem, até amanhã. Não houve amanhã. Não houve o 'até'. Não pra mim.

Você desistiu de mim. Eu já havia desistido há muito tempo. Mas você desistiu de mim como um cachorro que enterra o osso pra nunca mais encontrar. Eu era o osso. E agora eu não passo de pele, poucos quilos e ossos. Sou um esqueleto caminhando entre os vivos. Um zumbi procurando por alguém vivo - mas sem a necessidade de comer cérebros.

Sou mais ou menos um zumbi precisando de um coração sem achar tal órgão vital. Não acho e continuo procurando porque sei que vou encontrar. Talvez não o que eu quero, não o que eu preciso, mas aquele que precisa ser encontrado. Porque algo sempre está perdido. Eu estou perdido. Você me perdeu. Você está perdida. Eu te procurei. Eu te procurei. Te procuraria até cansar, mas estou perdido, entende? E não me acho. Não consigo me procurar. Me encontra? Estou por aí; estou em todo lugar, só você não vê. E você não 'tá aqui; você não 'tá nem aí.

Há dias caminhava na chuva, desviando dos carros. Pisando seco no asfalto e aqui dentro eu era um alagamento, desses que param o trânsito. E aqui fora sou esse corpo caindo do oitavo andar pra dormir na contramão. E sou um acidente, daqueles que atrapalham o tráfego.