terça-feira, 17 de agosto de 2010

Olhos de Raio-x

Nunca me olhei como um cara normal, sempre pensei que havia algo errado em mim. Aqui dentro, sabe? Tirava a camiseta antes de tomar banho e ficava me olhando em frente o espelho e não via meu diferencial. "Porra, mas é normal, não?" Não. Mas não encontrava o diferente apenas olhando no espelho. Ia além da camiseta, além da minha pele clara, além dos ossos, muito além. Além, até chegar em algum lugar que eu não conseguia ver. Ali dentro.

Achei tão frustrante não saber o que havia dentro de mim mesmo que comecei a procurar o que havia dentro das outras pessoas. Em várias delas eu me aprofundava em conhecê-las e ao tirar-lhes a blusa eu já me esquecia da finalidade da minha busca. Confesso, deixei de lado essa coisa de encontrar aquilo que há dentro. Mas algumas vezes eu escutava ecoar do peito de outras pessoas uma voz que gritava alguma coisa que eu não consegui entender. Não me importava exatamente o grito, mas importava quem gritava ali de dentro, então, eu tentava criar uma visão raio-x para conseguir ver qual seria a coisa que tinha tal voz em grito. Porque nada gritava dentro de mim, era um silêncio de uma escuridão azul.

Comecei a me sentir mais frustado ao descobrir que algumas pessoas tinham vozes que gritavam e eu não tinha nada. Vazio. Porque se eu não conseguia me ver nem me ouvir creio que estava realmente vazio. Sentindo me vazio por dentro, sentindo o vazio ao meu redor quando sentia que as pessoas estavam cheias. Cheias de alguma coisa que eu não via nem ouvia dentro de mim.

Em alguns momentos caí em tristeza. E ia caindo, cada vez mais fundo, pensando que encontraria algo. Caindo. Caindo. Caindo. Caí tanto que quando me dei já não via mais a claridade do sol. Era escuro, vazio, triste, seco, frio. Qualquer coisa assim, mas estava longe de encontrar algo. Sozinho, então, resolvi sair.

Saí com meu corpo de arrasto como se fosse o corpo de outra pessoa. Uma pessoa que eu não conhecia mais. Um ninguém que era tão intimo meu. Caminhava pelas calçadas, ruas, bairros, cidades e entre as pessoas. Escutava vozes gritando alto, falando baixo, passando por mim. E então, escutei uma voz me mandando parar - "Para!" - Parei. E foi só isso, mas foi pra mim. Um carro passou bem na minha frente em alta velocidade, mais rápido que o grito. Aí entendi, era outra pessoa gritando para mim do lado de fora.

Uma guria de cabelos escuros, ou claros; pele morena ou um pouco mais clara que isso; olhos verdes - sempre gostei de verde; mãos inquietas e voz suave. Lenta, calma. Fazendo o tempo parar. Me chamando, me mandando parar. Fiquei parado olhando ela e ela parada me olhando. E ficamos. Parados. Daí ela foi embora. E todo o meu lado de fora ficou em silêncio.

Fiquei feliz e de maneira rápida, mais rápida que o grito e que o carro, a felicidade passou. Voltei pra casa frustado. Parei novamente em frente ao espelho, tirei a camiseta e olhei novamente para o meu corpo branco. Olhei e quis entrar ali dentro e arrancar qualquer som que pudesse estar escondido; qualquer ruído, só pra saber que tinha algo.

Olhei para os meus olhos com cara de desânimo. Convencendo-me que não existe nada aqui dentro além de ossos, veias, tripas, comida apodrecendo e todas essas coisas que fazem parte de um cara normal. Mas eu, eu nunca fui normal. Olhei para os meus olhos como se fossem dois burracos negros, sugando tudo que havia ao meu redor. Olhei fixamente para os meus olhos e vi algo neles. Um certo brilho. Uma coisa que se movia lentamente. E meus olhos gritaram.

2 comentários:

  1. Ca-ra-lho. Sério, #MUITO bom. Estou até assim, sem palavras.

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  2. E mais uma vez seu texto me surpreende! Muito bom Luan.. Parabéns *-*

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