segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pré-Setembro.

B: Tá acabando..
C: O quê?
B: O gás...
C: O mês também...
B: E o café...
C: Vai começar setembro.
B: Droga!
C: O que a gente faz?
B: Encomenda um novo butijão de gás...
C: E aí?
B: ... compramos café também.
C: E o que a gente faz?
B: Esperamos o fim do desfile.
C: E de setembro também?
B: Sim, e do gás e do café.
C: E depois?
B: A gente começa outubro.
C: E aí?
B: Compramos máscaras e sorrimos.

sábado, 28 de agosto de 2010

Pra Quem?

Pra você eu mudei, pros outros eu ainda 'tô na mesma cidade.
Pros outros eu ainda sou o mesmo, pra você eu não sou ninguém.
Pra mim eu não sei quem sou, pra você eu queria ser alguém.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Álbum de Fotos

A Sala.
Cheguei em casa e encontrei um álbum de fotografias aberto em cima da mesinha de centro, a casa vazia com a janela da sala de estar levemente aberta e a TV ligada, estranhei. Só eu tenho a chave da minha casa; ninguém nunca entra ali dentro sem convite. Fechei a porta.

Me aproximei da janela e o vento entrou com uma força brusca e senti quão frio estava lá fora e achei estranho não sentir isso enquanto estava lá. Peguei o controle remoto e tentei desligar a TV, mas me dei conta que as pilhas haviam acabado e fiz tal ação manualmente. Me direcionei ao centro da sala de estar, sentei no canto do sofá e olhei algumas fotos que estavam em um álbum aberto e algumas que haviam caído no chão. Não ajuntei, apenas fiquei observando. Entre as fotos vi uma que eu bati há uns três anos atrás. Fechei os olhos.

A Cena.
Eu parado no meio da calçada quadriculada como um tabuleiro de xadrez em cores amarela e preta, você dizendo repetidamente com uma voz suave que lembrava a inocência de uma criança, ou algo parecido. "Hey, olha aqui e registra esse momento". Olhei na tua direção e direcionei a minha máquina para você. Você estava fora da calçada, metida com os pés na areia - tão amarela quanto a calçada que eu pisava - e segurando o all-star na mão esquerda. Atrás de você, alguns metros amarelo distanciavam tuas pernas do azul do mar e das ondas fortes que iam e vinham. Pouco mais atrás, o pôr-do-sol encostava na água fazendo uma das cenas mais belas do mundo. Registrei.

A Foto.
Direcionei minha máquina na tua direção e observei todos os detalhes. Teu cabelo, teu tênis, os grãos de areia, as bolhas na hora que a onda quebrou na praia, pequenos raios de sol saindo daquela bola gigante. Observei tudo. Ajeitei meu foco dentro do meu olho pra conseguir as cores tão mais lindas, pra ter uma foto de um momento de felicidade. Talvez o maior deles. Talvez A Própria. Quando eu apertei o botão a minha máquina fotográfica só capturou teu sorriso, a parte mais importante: a tua felicidade. Todos os outros detalhes daquele momento estão tão presentes na minha memória que basta fechar os olhos e vê-los gravados nas minhas pálpebras. Abri os olhos. Vi você. Parada ao lado da porta com uma chave na mão. Fechei os olhos e ali estava você também. Em todo lugar.

Parte Três - 5

Tive uma noite de sono muito horrorshow, irmãos, sem nenhum sonho, e a manhã estava muito clara e tipo assim gelada, e havia o von agradável de café da manhã fritando lá embaixo. Levei um tempo para me lembrar onde estava, como sempre acontece, mas logo caí em mim e aí eu me senti tipo assim aquecido e protegido.
Pág. 158

[...].

O que eu videei foi a palavra MORTE na capa de um tipo assim panfleto, muito embora fosse apenas MORTE AO GOVERNO. E como se fosse o Destino, havia outro livreto malenk que tinha uma janela aberta na capa, e dizia: "Abra a janela e deixe o ar fresco entrar, idéias frescas, um novo modo de viver." Então percebi que era como se estivesse me dizendo para terminar com tudo pulando dali. Um momento de dor, talvez, e depois dormir pra sempre, sempre, sempre.

[...] A janela do quarto onde eu havia me deitado estava aberta. [...]. Então subi no alpendre, a música estourando à minha esquerda, fechei os glazis e senti o vento no litso, então pulei.
Pág. 168
Anthony Burgess, 1962 - Laranja Mecânica

Parte Dois - 5

O que foi ainda mais engraçado foi quando fui dormir naquela noite, Ó, meus irmãos. Tive um pesadelo, e, como seria de se esperar, foi um daqueles trechos de filme que eu havia videado à tarde. Um sonho ou pesadelo é realmente apenas como um filme dentro da sua gúliver, só que é como se você pudesse entrar dentro dele e fazer parte dele. E foi isso o que aconteceu comigo. Foi um pesadelo de um dos trechos do filme que me mostraram no final daquela tipo assim sessão da tarde, [...]. Então eu abri meu caminho de volta até acordar através do meu próprio króvi, litros e litros dele, e aí eu vi que estava na minha cama neste quarto.
#
Anthony Burgess, 1962 - Laranja Mecânica

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Vencedor

Já consigo ver a linha de chegada.
E não sei em que lugar eu 'to.
Não sou o primeiro.
Já não quero mais ser um vencedor.
Um cara disso isso uma vez.
Levo a vida devagar.
O mesmo cara disso isso na mesma vez.
E também disse que era pra não faltar amor.
O foda é que tá me sobrando saudade.
#

Baseado em "O Vencedor" - Los Hermanos

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Terceiras Pessoas do Singular

"Ele não sabia o que dizer, ela não sabia se queria escutar.
E isso foi tudo por muito tempo.
Acontece, que o tempo acaba, não?
Mas é aquela coisa, quantos tempos existem?
Dois?! Isso não é um jogo, lembre-se disso.
Três?"


Ele estava agitado e isso era claramente perceptível ao modo que suas mãos se mexiam, nos movimentos, na rapidez da moeda deslizando entre os dedos. Estava com os nervos-a-flor-da-pele - e, oh!, era uma pele tão linda. Poucos garotos naquela idade mantinham uma aparência infantil sem parecer inocente demais. Ele não era inocente, na verdade, em muitas coisas era culpado. Culpado por ser tudo aquilo que ele não era e que ele não queria ser. Mas ele era aquilo. E tinha aquilo de querer ser algo mais, querer provar que não é. Provar pra ninguém. Provar pra si mesmo. Provar que existe. Provar o gosto de ser alguém. Alguém pra alguém. Pra ela?

Ela estava calma. Mãos levemente colocadas em cima das coxas de menina pura que sabe mais-do-que-você-pensa. Sabe bastante, entende? Não que toda essa sabedoria estivesse fazendo alguma diferença no momento, mas ela sabia que em algum momento poderia ser útil. Mas a útilidade não tem importância nas horas que o tempo passa devagar e que o vento é tão lento quanto os ponteiros de um relogio digital. Ela não sabia ver as horas. A hora de falar; a hora de ouvir; a hora de ir embora. Ela não sabia o que falar, não sabia o que queria ouvir, não sabia se deveria ficar. Aguém tinha que dizer isso pra ela - "tu não sabe o que quer" - , mas ele não sabia o que falar.

Mas o que realmente tem importância nessas horas? O que é realmente importante? Por que aquilo que a gente acha que é importante, às vezes, não é nada de mais? Ela era importante pra ele, e ele não era nada de mais. As coisas realmente importantes, na verdade, não passavam de algo muito mais comum do que a gente pensa. Muito mais simples. Muito menos complicado. Ele sabia disso, ela não. Ele não sabe mais, ela não quer saber.

Ela: Quer saber?

Ele: Tu não sabe.

Ela: Eu sei disso.

Ele: Eu não sabia.

¨¨
* Desculpa a repetição de palavras e personagens e histórias e sentimentos, mas tudo é sempre tão igual e eu já não me acho tão diferente agora.

Talvez Você

Me falaram que isso ia passar.
Eu só quero que tu passe por aqui;
que tudo não passe de ilusão.
Porque eu cansei de passar na tua rua.
Não sei mais qual é a tua casa.

domingo, 22 de agosto de 2010

Eu Soube Antes Que Você

Ah, eu queria dizer que essa vida tá muito engraçada.
E que eu 'tô rindo e sorrindo também.

Queria dizer que tu não sabe o que quer,
mas tu já sabe disso.

Queria te mostrar as coisas que eu sei,
mas não sei se tu quer saber.
Quer saber? Eu não sei mais.

Caindo

Comecei a reparar que tenho uma certa mania de caminhar olhando pro chão. Não por estar procurando alguma coisa na calçada, tentando achar uma maleta cheia de dinheiro em uma rua vazia e acabar milionário chutando pedras no chão. Eu ando olhando pro chão por ter medo de olhar pra minha frente e acabar me distraindo com alguma coisa que faça meus olhos perderem o foco do meu caminho, deixando meus pés dar passos em falso e causando uma queda bruta no meio da calçada ou rua em que passo.

O meu medo de cair consiste, basicamente, em acabar machucando as minhas mãos. É idiota, eu sei. Essa fixação com as minhas mãos vem por eu não saber quando vou precisar cumprimentar alguém, dar um tchau praquela pessoa que passa do outro lado da rua ou, quem sabe, dar um soco num cara que tentou roubou minha carteira.

Se eu estiver com minha mão machucada não cumprimentarei a pessoa que me estende a mão por achar que ela pode acabar me ferrindo no aperto; não acenarei um tchau até o outro do outro lado da rua por ter vergonha de mostrar que minha mão tem sangue porque eu tropecei em algum descuido meu e acabei me ferrindo; não darei um soco na cara do outro sujeito porque doerá mais em mim do que nele.

Prefiro machucar meu rosto do que minha mão. Aquela coisa de "dar-a-cara-a-tapa".

Quero manter minhas mãos decentes caso eu venha a cair, porque se eu cair sei que alguém irá me ajudar a levantar e, antes de qualquer coisa, me estenderá a mão para me ajudar. A mão!

Mas não é que eu queira ter a mão limpa, saudável, macia, cheirosa quando alguém me ajudar a levantar; eu quero ter a mão limpa pra quando ver alguma pessoa cair, poder estender a minha mão e ajudá-la. Quero estar com as mãos limpas pra que alguém venha e me segure pela mão quando eu volto pra casa no fim do dia. Pra andar de mãos dadas sem me preocupar em cair, sabendo que tem alguém ao meu lado pra me ajudar a levantar. E quando levantar, poder olhar nos olhos do outro e perder o meu foco sentindo a brisa batendo no meu rosto enquanto eu caio e dou risadas do meu descuido, da minha infantilidade. Do meu cair. Porque eu ando caindo muito ultimamente.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Isso II

A: Tá errado isso aí.
B: Então concerta...

A: Não dá.
B: Não dá?

A: Não sei...
B: Quer saber?
A: O quê?
B: Deixa assim...

A: Assim como?
B: Assim como a gente deixou..
A: Por quê?

B: Porque é o mais certo a ser feito agora.

A: Mas tá errado isso aí.
B: Então concerta...
A: Começamos a mesma conversa de novo...
B: Nem acabamos.

Capítulo XIII - O Terror

As pessoas caminhavam em silêncio. [...]. Foi como se tivessem aberto uma válvula, e toda a dor, o medo e a raiva daqueles dias saíssem dos peitos e rodassem pela rua, e subissem num terrível clamor até as nuvens negras do céu.
#
Isabel Allende, 1982 - A Casa dos Espíritos

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Óculos

"Antigamente eu perguntava o que te fazia sorrir.
Tua resposta abria um sorriso no meu peito.
Hoje, pergunto se tu tá feliz.
E você sorri. E só sorri.
Eu espero que teu sorriso não tenha nada escondido".

Eu não sei o que eu escondo aqui dentro do meu peito, acho que escondi tão bem que não sei certo onde tá. Lembro que brilhava. E de tão brilhante que era, me cegava os olhos me impedindo de ver as coisas mais óbvias que jogavam na minha cara. Daí eu escondi todo o brilho dentro do meu peito. Achei que era bom deixar um tempo ali, guardado, até me acostumar com os óculos que eu comecei a usar. Esses óculos mostram coisas que antes eu não via, e confesso que apesar de tanto tempo com eles, ainda me surpreendo quando vejo algo novo. Ah, são tantas novidades!

Porém, esses óculos não são suficientes quando tento achar aquilo que brilhava e que escondi. Daí eu procuro com uma lanterna na mão porque o lugar ficou escuro pra caralho; e procuro com um lenço no bolso, porque o lugar é tão úmido que as minhas lentes ficam embaçadas rápido demais.

Em alguns momentos é necessário soltar a lanterna da mão e pegar o lenço para limpar as minhas lentes. Eu coloco a luz que carrego comigo no chão e retiro meus óculos com cuidado tão grande para não derrubá-los - sinto medo até do vento que corre na minha espinha. Nesse momento, sem meus óculos, vejo um certo brilho lá no fundo da escuridão e tento caminhar até lá, mas parece ter tantas coisas me empedindo de chegar: mesas, cadeiras, sofás, camas, e outros móveis que provavelmente eu coloquei ali.

A cada canto de cada móvel que bato, sinto dores em várias partes do meu corpo. Sinto tamanhas dores que depois de bater e me ferir tanto por não enxergar nada, sinto-me na obrigação de caminhar novamente munido da laterna e dos meus óculos, mas então eu não vejo outra luz a não ser aquela que a minha lanterna projeta, e consigo ver os móveis e lembro o motivo de cada um estar ali. Eu tava construindo uma casa. Uma casa que não era minha. Uma casa que era pra ser o teu lar.

Aí eu penso se não era você que deveria estar aqui procurando no meu lugar. Porque isso que eu escondi aqui era teu.

Sento em uma cadeira que está próxima de mim, retiro meus óculos e desligo a lanterna e fico ali no escuro, observando aquele brilho cada vez mais forte. Eu me escondo pra mostrar o melhor que há dentro de mim. Queria saber se tu ainda consegue enxergar além-do-que-se-vê.

B: Guria, tira esses óculos, teu olho fica bem mais bonito.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Passado

Não passou.
Ainda não.
Vai passar.
Não quero.
Quero que fique.
Se passar pode acabar voltando.
E se voltar significa que eu esperei.
E eu não quero esperar.
Cansei de esperar.
Sei lá.
Mas eu espero.
Diga-se esperança, sabe?
Eu ainda tenho.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Olhos de Raio-x

Nunca me olhei como um cara normal, sempre pensei que havia algo errado em mim. Aqui dentro, sabe? Tirava a camiseta antes de tomar banho e ficava me olhando em frente o espelho e não via meu diferencial. "Porra, mas é normal, não?" Não. Mas não encontrava o diferente apenas olhando no espelho. Ia além da camiseta, além da minha pele clara, além dos ossos, muito além. Além, até chegar em algum lugar que eu não conseguia ver. Ali dentro.

Achei tão frustrante não saber o que havia dentro de mim mesmo que comecei a procurar o que havia dentro das outras pessoas. Em várias delas eu me aprofundava em conhecê-las e ao tirar-lhes a blusa eu já me esquecia da finalidade da minha busca. Confesso, deixei de lado essa coisa de encontrar aquilo que há dentro. Mas algumas vezes eu escutava ecoar do peito de outras pessoas uma voz que gritava alguma coisa que eu não consegui entender. Não me importava exatamente o grito, mas importava quem gritava ali de dentro, então, eu tentava criar uma visão raio-x para conseguir ver qual seria a coisa que tinha tal voz em grito. Porque nada gritava dentro de mim, era um silêncio de uma escuridão azul.

Comecei a me sentir mais frustado ao descobrir que algumas pessoas tinham vozes que gritavam e eu não tinha nada. Vazio. Porque se eu não conseguia me ver nem me ouvir creio que estava realmente vazio. Sentindo me vazio por dentro, sentindo o vazio ao meu redor quando sentia que as pessoas estavam cheias. Cheias de alguma coisa que eu não via nem ouvia dentro de mim.

Em alguns momentos caí em tristeza. E ia caindo, cada vez mais fundo, pensando que encontraria algo. Caindo. Caindo. Caindo. Caí tanto que quando me dei já não via mais a claridade do sol. Era escuro, vazio, triste, seco, frio. Qualquer coisa assim, mas estava longe de encontrar algo. Sozinho, então, resolvi sair.

Saí com meu corpo de arrasto como se fosse o corpo de outra pessoa. Uma pessoa que eu não conhecia mais. Um ninguém que era tão intimo meu. Caminhava pelas calçadas, ruas, bairros, cidades e entre as pessoas. Escutava vozes gritando alto, falando baixo, passando por mim. E então, escutei uma voz me mandando parar - "Para!" - Parei. E foi só isso, mas foi pra mim. Um carro passou bem na minha frente em alta velocidade, mais rápido que o grito. Aí entendi, era outra pessoa gritando para mim do lado de fora.

Uma guria de cabelos escuros, ou claros; pele morena ou um pouco mais clara que isso; olhos verdes - sempre gostei de verde; mãos inquietas e voz suave. Lenta, calma. Fazendo o tempo parar. Me chamando, me mandando parar. Fiquei parado olhando ela e ela parada me olhando. E ficamos. Parados. Daí ela foi embora. E todo o meu lado de fora ficou em silêncio.

Fiquei feliz e de maneira rápida, mais rápida que o grito e que o carro, a felicidade passou. Voltei pra casa frustado. Parei novamente em frente ao espelho, tirei a camiseta e olhei novamente para o meu corpo branco. Olhei e quis entrar ali dentro e arrancar qualquer som que pudesse estar escondido; qualquer ruído, só pra saber que tinha algo.

Olhei para os meus olhos com cara de desânimo. Convencendo-me que não existe nada aqui dentro além de ossos, veias, tripas, comida apodrecendo e todas essas coisas que fazem parte de um cara normal. Mas eu, eu nunca fui normal. Olhei para os meus olhos como se fossem dois burracos negros, sugando tudo que havia ao meu redor. Olhei fixamente para os meus olhos e vi algo neles. Um certo brilho. Uma coisa que se movia lentamente. E meus olhos gritaram.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Capítulo V - Os Amantes

[...] Acreditava que, ao nomer os problemas, eles se materializavam e já não era possível ignorá-los; por outro lado, se ficam no limbo das palavras não ditas, podem desaparecer sozinhos, com o decorrer do tempo.
#
Isabel Allende, 1982 - A Casa dos Espíritos

domingo, 15 de agosto de 2010

Toca-discos

Sei lá.
Cansei dessa repetição de horas, dias, semanas, meses, anos, vida. Sinto como se eu tivesse comprado um disco novo que só vai até a faixa 3 e começa de novo. Quero passar pra faixa 4, mas sempre volta pro começo. E no encarte tem lindos nomes de músicas que eu tenho medo de nunca ouvir, de ficar repetindo três faixas pra sempre. E essas três canções já não me dizem mais nada.
Só repetem o que eu já sei.

sábado, 14 de agosto de 2010

Eu sei

B: Eu ainda 'tô aqui.
A: Eu não.

B: Cadê você?

A: Não sei.
B: Quem é você?

A: Me diga.

B: O quê?

A: O que você quer.
B: Eu quero você.

A: Você nem sabe quem eu sou.
B: Não me importa.
A: Você não sabe em que lugar eu estou.
B: Mas sei onde deveria estar.
A: Onde?
B: Aqui.

Isso

"Tentei dizer qualquer coisa.
Tu tentou me ouvir.

Tentamos quebrar o silêncio.

Quebramos muito mais que isso.

Eu disse alguma coisa.

Tu nem me ouviu".

B: Quer concertar isso?
A: O quê?
B: Isso!
A: E tem como?
B: Não sei. Podemos tentar...
A: Cansei de tentar.
B: Então vamos fazer dar certo?
A: E se a gente fracassar?
B: Já fracassamos.
A: Então deixa assim.
B: Tu já deixou.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Talvez II

"Até algum dia".
"Até algum momento".
"Até logo".

Até quando?
Talvez quando o meu mundo ter um sentido direito.

Talvez quando eu parar de andar pela esquerda.
Talvez quando teu mundo for o mesmo que o meu.
Talvez quando o som dos teus passos ecoar do meu lado.
Talvez eu precise muito menos que isso.
Até mais.

Cotidiano

Uma semana inteira. Sete dias. Iguais. Nomes diferentes. Vinte-e-quatro horas. Repetição. Tempo repetido fazendo a mesma coisa todo dia. Manhã; tarde; noite. Repetindo todas as mesmas coisas pra chegar no fim-do-dia e ver que o fim foi o mesmo que o fim-do-dia anterior. No fim tudo é igual - com nomes diferentes. E significados, talvez.

Meus dias estão seguindo uma rotina de acordar, tomar café, sair, voltar pra casa, tomar café - comer alguma coisa, digo almoço - , sair, voltar pra casa, tomar café e esperar o efeito do café passar pra conseguir dormir mal. Todo dia.

E daí o dia começa de novo. Acordando mal por ter dormindo mal porque o efeito do café demorou pra passar. Acordando mal e preparando café pra conseguir realmente acordar - às vezes os sonhos são tão bons que tenho vontade de dormir pra sempre. Acordando e começando um novo dia do mesmo modo que a noite anterior acabou. Ou a madrugada. Depende do relógio - e do café.

Dependência, talvez seja essa a palavra. Dependo realmente do relógio e do café.

Do relógio e suas horas confusas que passam rápido e não me deixam fazer nada. Fazendo com que eu fique preso em uma rotina de começar e acabar todo dia da mesma forma que o dia anterior acabou e começou e que o dia seguinte começará e acabará. Tudo começa e acaba todo dia, é o que o relógio na parede diria se falasse. Mas as paredes só me ouvem. Só.

O café é o que me deixa fazer as poucas coisas que eu faço. E faço mal feito porque quando começo a fazer o relógio me diz que o dia tá acabando. É nesse momento que eu tomo mais café pra atrasar os ponteiros do relógio e ter mais tempo para fazer mais alguma coisa.

Durmo mal por esses dois motivos. O relógio diz que meu tempo acabou e o café tenta adiar um pouco mais o fim-do-dia. Uma disputa para jogar o fim lá pra frente. Como se pudesse me esconder do que só eu vejo; a minha cara cansada e embriagada no espelho do banheiro na hora que escovo os dentes.

Se eu comentar sobre o espelho vou ter que usar as mesma palavras que usei até agora. O espelho não me mostra nada de novo. Só mostra coisas repetidas. Como os meus dias.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Entre

Entre o meu rádio e a tua estação;
Entre os canais mudos da televisão;
Entre o atender e o cair de uma ligação;
Entre meus ouvidos que ouvem o sim e tua boca que diz não;
Entre as ruas e as calçadas;
Entre e, por favor, feche a porta quando sair.

Muda

A: Oi...
B: Oi.
A: Tudo bem?
B: Tudo.
A: ...
B: ...
A: Não vai pedir como estou?
B: Por quê? É sempre a mesma resposta.
A: Claro, sempre a mesma pergunta.
B: Mas eu não fiz nenhuma pergunta agora...
A: Você não muda.
B: Eu já mudei, várias vezes.
A: Sério? Sempre foi igual pra mim.
B: É que tu sempre me olhou do mesmo jeito.
A: E como eu devo olhar?
B: Não deve.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Atrás de um nome qualquer

B: Quem é você?
A: Eu sou A.
B: Quem?
A: Eu.
B: Ah!
A: Isso, eu.
B: Eu o quê?
A: Não você, eu.
B: Tu?
A: Eu.
B: E eu?
A: O que tem você?
B: Nada.
A: Ah!
B: Você?

Domingo

Ligo. Toca.
Liga. Atendo. Desliga.
Continua tocando.
Liga. Atendo. Respiração. Desliga.
Ligo. Falo "oi". Silêncio. Desliga.
Toca outra.
Ligo. Toca. Toca. Ninguém atende.
Desligo o rádio. Ligo a TV.

Home Is Where The Heart Is¹

De repente
Senti uma certa vontade de sair

Colocar os pés pra fora
A cabeça, as mãos, o coração
Uma vontade de te mandar embora
Fechar a porta, jogar a chave fora

Então me encontrei perdido na calçada

Sentado com flores jogadas no chão

Nunca entrei na tua casa
E nem sei em que rua fica a minha
#
¹= Referência ao Beeshop

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

semtítulo.txt

[...]
D: Como tá o frio aí?
B: Sei lá, tem o fogo do fogão a lenha aqui do meu lado.
D: Quente, então?
B: Só por fora.
D: E por dentro?

B: Acabou a lenha.

D: Não dá pra comprar?
B: Não quero.
D: Não?
B: Não. Vou ali fora fazer uma fogueira.
D: Mas ali fora tá frio...
B: Aqui dentro também.


Isso tá errado. Tá muito errado.
E eu nem sei qual é a resposta certa.
Qual era a pergunta mesmo?

Visita

Achei um baú no sotão aqui de casa. Não que eu estivesse procurando para encontrar esse baú, apenas fiquei entediado de brincar de esconde-esconde sozinho; sempre me escondia pra ninguém me achar. Assim fui tentar procurar por alguma coisa. Achei o baú. Marrom e empoeirado. Deixado ali por um longo tempo. Com coisas deixadas dentro dele. Talvez alguém estivesse escondendo essas coisas. Então, encontrei. Guardei.

A: Deixa pra lá...
B: Não dá.
A: Como assim?
B: Deixaram isso aqui.
A: Sozinho?
B: Não totalmente, você está aqui agora, certo?
A: Sim, mas eu tenho que ir.
B: Por que?
A: Não queria chegar aqui.
B: E onde tu quer chegar?
A: Não sei ainda. Qualquer lugar.
B: Quem sabe aqui é o teu lugar.
A: Se você tiver razão eu volto.
B: Não volte.
A: Mas e se aqui for meu lugar?
B: Se tu tá indo embora é porque aqui não é teu lugar.
A: E se eu quiser passar por aqui, às vezes, pra dizer um "Oi"?
B: E dizer "tchau" quando for embora?
A: Por que você já tá falando de despedidas?
B: Porque aqui não é teu lugar.
A: E é o lugar de quem?
B: É o meu lugar.