sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Conta Vencida

Chega o carteiro. Todas correspondências dentro de uma sacola com várias outras cartas e contas que vão para outras pessoas em outras casas. Você vê ele retirar alguns papéis, conferir o que provavelmente é o número da casa, tirar o elástico que prende os envelopes separados dos outros e deposita-os na tua caixa de correio. Aí você espera ele se afastar.

O ronco da moto amarela é rapidamente direcionado ao outro lado da rua, onde ele faz a mesma seqüência de tarefas. Coloca as cartas ou contas da outra pessoa e passa para a casa ao lado, onde fará a mesma coisa mas tu não se interessa mais pela repetição das atitudes nem dos envelopes.

Teu interesse agora passa a ser a caixa de correio. Não a caixa de correio, mas o que dentro dela. E ali dentro tem algo teu. Você sai da janela, fecha a cortina e toma rumo em direção ao lado de fora da tua casa, passando por um corredor comprido que te entrega à sala. Tu para na sala e com certo medo, teme abrir a porta e ir lá fora receber tuas correspondências; teme abrir a caixa de correio; teme abrir as cartas. Teme qualquer abertura que traga aquilo que está lá fora esperando.

Tu recuperas tua coragem e abre a porta, o primeiro passo. Esquerdo. Em seguida o direito. Teus pés seguem o rumo como se estivessem acostumados com a tarefa de ir até a casinha cheia de papéis, tuas mãos abertas é que não estão acostumadas a abrir esses papéis. E dessa vez elas terão utilidade. Teus olhos também estão abertos, prontos para quando a sua vez chegar.

Você abre a tampa e os papéis estão ali, brancos feito leite. Você sente o calor deles. Você sente eles te queimando as mãos, os olhos, o peito - sim, o peito está aberto também. Você volta pra dentro de casa pela porta aberta. E você fecha a porta.

Você vai até a cozinha e joga os papéis em cima da mesa, fitando-os por algum tempo com aquele medo anterior. Aí você separa alguns e coloca-os de um lado - as contas. Você abre o único que não está te cobrando nada, e o preço que tu vai pagar por este é alto demais. Não há dinheiro suficiente. O dinheiro nem é suficiente.

O papel aberto tem tamanho valor que tu se recusa a pensar nas contas. O peito aberto como um cofre vazio tem tantas teias que tu nem sabe se houve algo valioso ali dentro. Você pensa aonde você gastou tanto sentimento, e porque tanto prejuízo. Talvez tenha sido a falta de investimento. Ou tu apenas tenhas tentado encher o outro cofre - aquele que não era teu. Mas tu tens que pagar por essa conta. E o preço que se paga, às vezes, é alto demais. Talvez um perdão quite a dívida. Se não for uma conta vencida, claro.

Dá uma olhada na data, te apressa. Cuidado com os juros.

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