sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Vermelho

Foi naqueles segundo antes da escuridão da minha morte que vi todas as cores que eu conheço.

A primeira foi um céu azul - um céu lindo e azul. Um azul de tristeza que me lembra dias que não saía de casa porque chovia lá fora e era uma chuva intensa como se quisesse me deixar preso sem ter para onde correr. Uma chuva com nuvens cinza. Do cinza, lembrei dos prédios da cidade e do cheiro de poluição; o cinza dos dias monótonos em que odiava todas as pessoas que passavam por mim pelas calçadas e me sorriam sorrisos amarelos, com dentes feios e falsos. Daí o amarelo do sol ao verde da grama; ao marrom das árvores; ao vermelho das maçãs e do sangue que dá cor aos teus lábios. Lindos lábios vermelhos que explodiam as mais lindas palavras e deixavam todo o resto da praça colorida em tons de vermelho e rosa; lábios que diminuiam o som das outras pessoas falando, dos carros buzinando, de tamancos batendo contra o chão. E eu lia teus lábios, decifrava cada pedaço de carne, bebia cada gota imaginária de sangue num desejo de querer toca-lós e sentir o gosto do teu lábio. Querendo o gosto do teu sangue dentro da minha boca, também vermelha mas com dentes amarelos. Queria ter o teu lábio porque, de todas as cores, ele tinha a mais bela. Tinha a cor do vermelho de sangue derramado, do sangue vivo. Lembrei do teu sangue vivo e de como você está viva e como estou morrendo, com o meu sangue ainda vivo manchando o chão do banheiro. Olho pro sangue vivo esperando que ele escureça e que, de repente, eu encontre a escuridão do sono eterno. Do sonho sem fim. Olho o sangue vermelho e ao contrário da escuridão que espero, eu vejo uma luz branca que cega meus olhos. Ah! Como eu desejei que a morte fosse sombria e escura e fria, mas morrer é aconchegante, calmo. Traz uma paz. Uma paz parecida com o sangue dos teus lábios vermelhos. Um paz parecida com a bandeira branca que dá fim a guerra quando não há mais sangue a ser derramado. Uma paz igual ao meu coração que não tem mais força para pulsar o sangue que corre nas minhas veias vazias azuis.

domingo, 14 de novembro de 2010

Todo meu amor.

Daquelas coisas que perco tentando procurar. Nas memórias mais escondidas. Das coisas do meu passado que nego, mas que são visíveis até por quem não enxerga o que há aqui dentro. Essas memórias e esse passado e essas perdas explodem meus ossos, minhas veias, minha pele, minhas roupas e explodem todas as paredes que crio para tentar sufocar tais sinais vitais. Crio paredes; crio quartos e salas sem janelas, pra não deixar a luz entrar. Pra ser escuridão. Mas esqueço a porta; fica o buraco aberto. E é por ela que tu entras.

Entra assim, fria, sem dizer nada e sem fazer barulho algum. Em alguns momentos sinto falta da segurança que o teu calor proporcionava. Sinto falta até do som dos passos teus por aqui - agora você flutua. Não. Talvez eu tenha construído as paredes e esqueci-me do chão. Esqueci que preciso pisar em alguma coisa, ter algum lugar pra bater a cara na hora que cair. Porque a queda é grande e eu sempre me espatifo no chão. E acha que nunca mais vou levantar. Mas pra mim não há chão. Só o penhasco dentro de quatro paredes. Eu fico caindo uma eternidade, e você flutua dentro de mim.

Comparação: é como se todo meu sangue estivesse correndo fora das minhas veias, mas não há nenhum corte no meu corpo que o liberte, que o deixe fluir para fora das minhas paredes celulares e que deixe a vida escapar de dentro de mim. Assim é a dor que sinto - ou que finjo sentir. Não há feridas para cicatrizar, não há sangue para ser estancado. Não há band-aid que consiga entrar no peito.

Há uma saída além da porta. Há toda a dor além do corte. Há um gatilho esperando o dedo. Há uma bala, doce como um beijo. Há o tiro e a morte de todo meu amor.